terça-feira, 22 de outubro de 2013

A HISTÓRIA DE KIM

Não é de hoje que conheço a foto de Kim correndo nua depois de ter sido queimada e suas roupas terem sido arrebatadas pela bomba de napalm lançada perto de onde estava em 1972. Muitas pessoas morreram naquele dia devido esta bomba, mas a história de Kim teve um outro rumo graças à atitude do fotógrafo Nick Ut, que depois de ter fotografado a cena, ajudou Kim, primeiro jogando água em seu corpo e depois levando ela ao hospital. A fotografia deu à Nick Ut o prêmio Pulitzer de fotografia e foi uma ferramenta importantíssima para o fim da guerra do Vietnã, mobilizando muitas pessoas a favor do fim da guerra, incluindo soldados norte americanos.

Tirando a imagem registrada, eu não conhecia mais nenhuma das outras informações mencionadas acima. Não sei nem quando eu vi esta fotografia pela primeira vez, mas sempre fiquei curioso em saber quem eram aquelas pessoas e o que estava acontecendo ali. Não é uma atitude particular minha, uma vez que as imagens sempre tiveram este poder de gerar um desejo de entrarmos naquele momento e apertarmos um “play” para saber o que estava acontecendo ali e o que ia acontecer depois. Fora assim com as pinturas, é assim com a fotografia.
Mas a fotografia tem um poder ainda maior neste chamamento porque a imagem da fotografia é tão semelhante ao real que muitas vezes atribuímos um sentimento à imagem ali gravada como se as pessoas ou as coisas que estão registradas estivessem de verdade à nossa frente. Algumas pessoas acreditam até mesmo que a fotografia tem o poder de aprisionar a alma da pessoa fotografada.
A imagem parece tão real, que muitas vezes nos esquecemos que alguém (no caso o fotógrafo) estava ali, no mesmo lugar em que agora estamos. Como já dizia o fotógrafo James Nachtwey: a fotografia tem o poder de nos colocar no lugar do fotógrafo.
Mas quando lembramos que estamos no lugar de alguém que de fato esteve ali, naquele exato momento, sabemos que alguém tem as respostas para as perguntas que nos intrigam de quem eram as pessoas ou o que era aquela situação, o que acontecera antes e o que aconteceu depois daquele momento. O fotógrafo pode não saber ao certo o que aconteceu muito antes ou muito depois da cena que ele fotografou, mas a curto prazo ele pode saber.
Esta consciência de que havia alguém ali, nos faz indagar o que esta pessoa fez depois do registro que ele fez, depois de tirar o dedo do botão da máquina. No caso de Nick Up, ao saber o que ele fez após a foto: ter ajudado Kim, nos faz criar uma certa empatia por ele e por isso ele é considerado um herói, não apenas um fotógrafo mercenário. O que ele fez não foi registrado em fotografia para nos servir de prova, mas o que ele conta, a própria Kim pode confirmar. A atitude que temos diante das situações que passamos são muito mais importantes que qualquer coisa que podemos registrar. Enquanto Nick se tornou um herói, Kevin Carter, outro ganhador do Pulitzer, ficou com o papel de vilão devido à uma série de desencontros nas falas dele e das pessoas que o entrevistaram por causa de sua famosa foto de um abutre perto de uma menina agachada, faminta e cansada.
É claro que podemos produzir ou reproduzir o que quisermos, mas sempre devemos ter a consciência de que rumo nossas escolhas nos levarão, ainda que o calculo esteja errado. Temos o direito de falar ou nos omitir, de fazer ou não, mas nossas atitudes são muito importantes para nos levar onde queremos. A vida é uma coleção de consequência de escolhas que as pessoas fazem. Precisamos saber se o que estamos fazendo é o suficiente, o máximo ou se podemos melhorar. 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FOTOGRAFIA AUTORAL - diante da dor dos outros

            No livro Diante da Dor dos Outros, de Susan Stag, a autora, descreve alguns dos problemas atuais com a fotografia. Dentre eles, a relação que as pessoas têm hoje com as imagens.
            Há setenta e cinco anos atrás (na verdade a autora fala sessenta e cinco, mas como o livro é de 2003, tomei a liberdade de acrescentar os dez anos de diferença), praticamente todas as fotos eram novidade. Há hoje, uma grande quantidade de imagens no mundo, todos os dias, as pessoas são bombardeadas por imagens, que acabam muitas vezes, tornando-se clichês e consequentemente, não falam mais com as pessoas tal como falariam há setenta e cinco anos.

            É, portanto, para o fotógrafo autoral um desafio, bem como para o fotógrafo jornalístico, produzir uma imagem que saia deste paradigma. Não que necessariamente, o fotógrafo precise apresentar uma imagem completamente inovadora, até porque os temas são praticamente os mesmo, os problemas que o mundo enfrenta são em termos gerais, os mesmos, mudando apenas algumas ramificações dentro destes problemas, que são uma adaptação ao problema antigo.
            Hoje em dia, as pessoas tem acesso à inúmera quantidade de imagens, tanto que acontecem pelo mundo quando que acontecem com as pessoas. E sobre isso acho que me aproximo da fotografia autoral.
            A fotografia autoral é muito mais íntima com o fotógrafo que a fotografia jornalística. O fotógrafo não necessariamente estará envolvido em problemas sociais e políticos, mas a fotografia autoral de certo modo, trata muito mais dos problemas e questões pessoais das pessoas.
            Por isso, há uma responsabilidade também no fazer fotografia autoral, porque, bem como se exige certa ética no fotografar acontecimentos, ao artista, é importante também ser ético no apresentar as ideias, seus valores, suas crenças, seus anseios, suas experiências, que estão dentro de suas obras, ainda que haja toda a liberdade de expressão.
            A fotografia no entanto, é uma arte até certo ponto autônoma, por não exigir que o fotógrafo seja experiente, ela tem uma característica que não é muito encontrada nas outras artes, que é a questão da sorte. Talvez isso seja mais comum à fotografia jornalística, porque para os fotógrafos autorais, nem sempre existe esta “sorte”, eles têm que criar a sua sorte, como por exemplo, Jan Saudek, que conta ter passado um longo tempo morando em um lugar nada agradável, em um porão. Mas foi dali mesmo, de um canto em que havia uma janela, que ele produziu diversas fotos. Francesca Woodman também usava praticamente os mesmos cenários, normalmente de seu quarto e ali produzia seus trabalhos.
            Mas a fotografia tem a característica de não exigir tanto um certo grau de conhecimento ou experiência com a câmera. No final de 2001, por exemplo, houve a exposição “Aqui é Nova York”, onde havia diversas fotografias de fotógrafos renomados como Gilles Press ou James Nachtway juntas a fotografias de cidadãos comuns, que no 11 de setembro fotografaram em algum momento, as torres sofrendo as consequências dos impactos dos aviões que as atingiram.
            Quem ia à exposição comprava a fotografia que quisesse e só após efetuada a compra, é que ele saberia quem de fato era o autor dela. As fotos eram expostas sem legenda, trazendo à reflexão, que não necessariamente, os profissionais das lentes estariam à frente dos que não a usavam profissionalmente. A situação foi fotografada e assim documentada, esta é uma das características que tornam a fotografia mais democrática.
            Mas muito embora o fazer fotografia possa ser tão democrático, existe no entanto a exploração da imagem, que já foi mencionado anteriormente. Na fotografia jornalística, se dá muitas vezes pela exploração da imagem e da dor do outro que está sendo fotografado. Vejo que na fotografia autoral, esta exploração se dá na falta de preocupação, atenção ou cautela da forma como a imagem será apresentada.
            O surgimento da fotografia trouxe ao menos, duas coisas muito desejáveis à arte: a imediatez e a fidedignidade da imagem. A fidedignidade já estava sendo o tema de estudo dos artistas a partir especialmente da câmara escura e a imediatez estava tentando ser resolvida a partir especialmente do impressionismo.
            A morte é um tema presente na fotografia desde que as câmeras foram inventadas, em 1839. À medida que a fotografia foi se desenvolvendo, a imediatez e a fidedignidade foram aumentando também. Essa imediatez pode ser tanto em termos do ver o que está acontecendo agora como no despertar de sentimentos. A fidedignidade da imagem na fotografia intensifica mais ainda o segundo sentido.
            Como a fotografia lida com a questão da morte, por causa da conservação da imagem de uma situação ou de uma pessoa que já não é mais viva ou como era naquele instante, tudo isso traz uma série de consequências aos que vêem, até porque como foi dito, cada ser humano, embora unido por algumas características em comum, diferenciam-se justamente neles. As reações portando, aos que vêem essas imagens podem (e são) muito variadas.
            Nem todos conseguem lidar com qualquer tema, especialmente, a morte. Há os que não tem medo, há os que não se importam, há os que tem medo, há ainda os que são neuróticos com isso. O fazer fotografias, é o enfrentar estes temas, desafios e problemas anexados à ela.
            Como seres humanos que somos, racionais, precisamos sempre nos lembrar do outro, que verá, claro que não em termos de agradar ou desagradar, mas de ferir desnecessariamente o outro também. O que fazemos aos outros, acaba sempre voltando para nós, pode até parecer assunto religioso, mas é uma lei da vida, é uma consequência da forma como a nossa liberdade é exercida. Somos frustráveis por nossas escolhas.

Bibliografia

ARGAN, Giulio C. Arte Moderna. São Paulo. Companhia das letras, 1992.
Freud, Sigmund. Obsessive Acts and Religious Practices, 1924.
Stag, Susan. Diante da Dor dos outros. Companhia das Letras, 2003.

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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

FOTOGRAFIA AUTORAL - fotografia, tema e ética

As obras de arte são fruto de trabalho, pesquisa, histórico de vida, condições em que o artista se encontra e outras coisas mais que refletem a particularidade de cada um.
A escolha do tema a ser abordado, portanto, é com certeza de um caráter muito pessoal e particular. Como sabemos, o ser humano é diferente dos animais por poder dizer não à seus instintos, por isso, cada classe de animais tem suas características que podem definir a grosso modo o seu caráter, com pequenas variações aqui ou ali dependendo do ambiente em que se encontram.
O ser humano não pode ser definido com apenas algumas características comportamentais, porque seu comportamento varia não apenas por causa das condições em que se encontra mas também por causa de seu histórico, tanto genético como de vida e experiências. O que define o ser humano, portanto, é o que o difere dos outros seres humanos, fazendo com que cada um seja um seja diferente do outro.
Com tantas características que nos afastam das outras pessoas, existe a necessidade de nos aproximar delas também, o ser humano necessita de outros seres humanos, especialmente para progredir. E eis o grande problema, viver em comunidade, ou viver em harmonia com as outras pessoas.
Para isso, existe a ética. Como foi que ela surgiu é uma pergunta bem interessante, mas há em todos os animais uma ética impressa dentro deles. O ser humano consegue então, ampliar esta ética, modificá-la e adaptá-la para melhor servi-lo.
A ética do mundo animal, portanto, é diferente da ética do ser humano. Porque em cada lugar, um grupo de pessoas estabelece sua ética de acordo com os interesses em comum.
O artista então, como ser humano que é, vive cercado de valores e princípios que como ser humano, poderá ou não escolher seguir. Normalmente, parece que os artistas são os “escolhidos” para não concordarem com a ética proposta por aqueles que exercem um cargo de poder acima dos demais seres humanos, estes são geralmente os que propõe ou impõem uma lei para ser seguida para “o bem do grupo”.
É aí onde surgem muitos problemas, quando na verdade, acho que em muitos casos, não seria necessário existirem. Como eu disse anteriormente, o artista seria aquele que apresenta sua observação de forma criativa ou rápida. Rápida, não no sentido de tempo para ser feita, tanto é que ela se distingue da fotografia jornalística, por ter mais tempo para ser feita. Por isso, ao meu ver, o artista autoral tem muito mais responsabilidade sobre sua fotografia que os demais.
O problema é que muitos artistas procuram fazer suas críticas de forma bastante apelativa, o que em muitos casos, causa mais repulsa a aceitação. É uma escolha do artista fazer isso, ele tem liberdade para isso, porém é necessário, ao meu ver, e creio que muitos concordam com isso, que o artista, mais do que qualquer outra pessoa, saiba exercer sua liberdade, a fim de poder viver o máximo possível pela sua causa.
Cada escolha feita implica em resultados, estes resultados podem frustrar pessoas, podem frustrar o próprio artista. Em toda a vida humana, o ser humano é escravo das escolhas, pode parecer um paradoxo em relação ao que falamos de liberdade, mas não tem para onde correr para se livrar desta condição. O ser humano é condenado a passar a vida inteira julgando o que é certo, o que é errado, o que está certo, o que está errado, o que deve ser feito o que não deve ser feito, o que deveria ter sido feito ou não...
Por onde o ser humano passa, haverá uma presença de valor, as coisas nunca são vistas com os mesmos olhos, literalmente. Voltamos à velha ideia de Heráclito de Éfeso: “ninguém banha-se duas vezes no mesmo rio”. Em sua condição, o ser humano se torna preso a ética, todas as suas escolhas estão dentro da ética, ainda que seja para sair dela.
Se bem que por onde o ser humano passa os juízos de valor ali estarão e cada vez há uma mudança de olhar, há outro ponto que parece contradizer isso, trata-se do costume. O costume é caracterizados por atos continuados, embora pareça que a pessoa esteja presa, na verdade,  a ética também está nesta situação, porque para que este ser humano se encontrasse preso em um determinado costume, foi necessário uma escolha e para que este ser humano saia do costume, é necessário uma escolha também, a escolha de sair de lá. Portanto, permanecer em um costume é uma escolha constante de dizer “sim”, e como falamos também, não é por falta de oportunidade de dizer “não”.
É necessário então, aprender a enfrentar nossa condição e se apropriar das melhores formas para conduzirmos nossa existência. Parece que a arte tem esta característica e assim, os artistas procuram a melhor forma para poderem derramar suas dúvidas, seus anseios, seus medos, seus fracassos...
A ética é importante para escolhermos o que fazer, como fazer e se deve ser feito. Querer é diferente de poder que é diferente de dever. Há coisas que embora queiramos, não podemos e outras que podemos mas não devemos.
Acho que a questão da fotografia autoral, bem como na maioria das formas de arte também, há ali uma certa liberdade para poder fazer coisas que talvez não se possa nem se deva fazer, mas isso não se trata apenas da imagem retratada, mas a ética abrange também (e principalmente) o próprio fazer artístico. Mesmo que haja liberdade poética para fazer o que quiser, o artista, ainda assim, deverá raciocinar nos meios que irá utilizar para chegar onde quer chegar.
Todas estas questões são discutidas também no filme Fotos Proibidas, a respeito de uma exposição em Cicinnati de Robert Mapplethorpe. Até onde a ética pode se interferir na liberdade pessoal ou de expressão? Será que é necessário? Com certeza, a liberdade de expressão é um direito de todos, ninguém deve se submeter à escravidão e ficar quieto, mas a ética tem um papel especial no que diz respeito à forma da expressão. Não é nada louvável se expressar de qualquer forma diante de uma criança, por exemplo, a percepção de uma criança é bem diferente da percepção de um adulto, e ainda assim, como podemos notar, cada ser humano é diferente do outro.
Ao mesmo tempo em que há liberdade de expressão, há também o direito de resposta, a liberdade religiosa e etc. Se alguém se expressa a fim de protestar contra um abuso cometido por uma instituição ou por alguém, é uma coisa, mas protestar com o fim de ofender as crenças de outras pessoas é com certeza um grave erro de exercício da liberdade, pois é querer obrigar o outro a pensar como você e, o julgar ser melhor do que o outro não pode ser feito de qualquer forma.

Uma vez que eu descubro e crio as minhas convicções de que estou do lado certo, tenho o dever de ensinar os outros o que é certo. Os outros tem o direito de não aceitar, e se houverem dois grupos que pensam diferente em um lugar, deverá haver uma ética que possibilite a convivência entre estes dois grupos. Se um tentar se impor sobre o outro, estará deixando o uso da razão e partindo para a irracionalidade, o que fará que por mais que esteja certo em sua convicção, estará agindo de forma errônea.
Digo isso não apenas por causa de muitos artistas que tentam impor uma determinada visão com seus trabalho querendo que este seja exposto publicamente quando na verdade seu conteúdo é muito ofensivo, mas também por causa daqueles que não aceitam que o artista exerça sua liberdade de expressão. Uma forma de poder fazer com que estes grupos divergentes habitem na melhor forma possível de harmonia seria criar espaços para que cada um pudesse se expressar da forma que bem entender, desde que respeitando o outro também (não exercendo sua liberdade se apropriando de atos criminosos).
O problema que temos é que os que não tem nada a ver com o outro querem interferir em seu espaço, aí, de fato, cria-se uma grande confusão.