quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FOTOGRAFIA AUTORAL - diante da dor dos outros

            No livro Diante da Dor dos Outros, de Susan Stag, a autora, descreve alguns dos problemas atuais com a fotografia. Dentre eles, a relação que as pessoas têm hoje com as imagens.
            Há setenta e cinco anos atrás (na verdade a autora fala sessenta e cinco, mas como o livro é de 2003, tomei a liberdade de acrescentar os dez anos de diferença), praticamente todas as fotos eram novidade. Há hoje, uma grande quantidade de imagens no mundo, todos os dias, as pessoas são bombardeadas por imagens, que acabam muitas vezes, tornando-se clichês e consequentemente, não falam mais com as pessoas tal como falariam há setenta e cinco anos.

            É, portanto, para o fotógrafo autoral um desafio, bem como para o fotógrafo jornalístico, produzir uma imagem que saia deste paradigma. Não que necessariamente, o fotógrafo precise apresentar uma imagem completamente inovadora, até porque os temas são praticamente os mesmo, os problemas que o mundo enfrenta são em termos gerais, os mesmos, mudando apenas algumas ramificações dentro destes problemas, que são uma adaptação ao problema antigo.
            Hoje em dia, as pessoas tem acesso à inúmera quantidade de imagens, tanto que acontecem pelo mundo quando que acontecem com as pessoas. E sobre isso acho que me aproximo da fotografia autoral.
            A fotografia autoral é muito mais íntima com o fotógrafo que a fotografia jornalística. O fotógrafo não necessariamente estará envolvido em problemas sociais e políticos, mas a fotografia autoral de certo modo, trata muito mais dos problemas e questões pessoais das pessoas.
            Por isso, há uma responsabilidade também no fazer fotografia autoral, porque, bem como se exige certa ética no fotografar acontecimentos, ao artista, é importante também ser ético no apresentar as ideias, seus valores, suas crenças, seus anseios, suas experiências, que estão dentro de suas obras, ainda que haja toda a liberdade de expressão.
            A fotografia no entanto, é uma arte até certo ponto autônoma, por não exigir que o fotógrafo seja experiente, ela tem uma característica que não é muito encontrada nas outras artes, que é a questão da sorte. Talvez isso seja mais comum à fotografia jornalística, porque para os fotógrafos autorais, nem sempre existe esta “sorte”, eles têm que criar a sua sorte, como por exemplo, Jan Saudek, que conta ter passado um longo tempo morando em um lugar nada agradável, em um porão. Mas foi dali mesmo, de um canto em que havia uma janela, que ele produziu diversas fotos. Francesca Woodman também usava praticamente os mesmos cenários, normalmente de seu quarto e ali produzia seus trabalhos.
            Mas a fotografia tem a característica de não exigir tanto um certo grau de conhecimento ou experiência com a câmera. No final de 2001, por exemplo, houve a exposição “Aqui é Nova York”, onde havia diversas fotografias de fotógrafos renomados como Gilles Press ou James Nachtway juntas a fotografias de cidadãos comuns, que no 11 de setembro fotografaram em algum momento, as torres sofrendo as consequências dos impactos dos aviões que as atingiram.
            Quem ia à exposição comprava a fotografia que quisesse e só após efetuada a compra, é que ele saberia quem de fato era o autor dela. As fotos eram expostas sem legenda, trazendo à reflexão, que não necessariamente, os profissionais das lentes estariam à frente dos que não a usavam profissionalmente. A situação foi fotografada e assim documentada, esta é uma das características que tornam a fotografia mais democrática.
            Mas muito embora o fazer fotografia possa ser tão democrático, existe no entanto a exploração da imagem, que já foi mencionado anteriormente. Na fotografia jornalística, se dá muitas vezes pela exploração da imagem e da dor do outro que está sendo fotografado. Vejo que na fotografia autoral, esta exploração se dá na falta de preocupação, atenção ou cautela da forma como a imagem será apresentada.
            O surgimento da fotografia trouxe ao menos, duas coisas muito desejáveis à arte: a imediatez e a fidedignidade da imagem. A fidedignidade já estava sendo o tema de estudo dos artistas a partir especialmente da câmara escura e a imediatez estava tentando ser resolvida a partir especialmente do impressionismo.
            A morte é um tema presente na fotografia desde que as câmeras foram inventadas, em 1839. À medida que a fotografia foi se desenvolvendo, a imediatez e a fidedignidade foram aumentando também. Essa imediatez pode ser tanto em termos do ver o que está acontecendo agora como no despertar de sentimentos. A fidedignidade da imagem na fotografia intensifica mais ainda o segundo sentido.
            Como a fotografia lida com a questão da morte, por causa da conservação da imagem de uma situação ou de uma pessoa que já não é mais viva ou como era naquele instante, tudo isso traz uma série de consequências aos que vêem, até porque como foi dito, cada ser humano, embora unido por algumas características em comum, diferenciam-se justamente neles. As reações portando, aos que vêem essas imagens podem (e são) muito variadas.
            Nem todos conseguem lidar com qualquer tema, especialmente, a morte. Há os que não tem medo, há os que não se importam, há os que tem medo, há ainda os que são neuróticos com isso. O fazer fotografias, é o enfrentar estes temas, desafios e problemas anexados à ela.
            Como seres humanos que somos, racionais, precisamos sempre nos lembrar do outro, que verá, claro que não em termos de agradar ou desagradar, mas de ferir desnecessariamente o outro também. O que fazemos aos outros, acaba sempre voltando para nós, pode até parecer assunto religioso, mas é uma lei da vida, é uma consequência da forma como a nossa liberdade é exercida. Somos frustráveis por nossas escolhas.

Bibliografia

ARGAN, Giulio C. Arte Moderna. São Paulo. Companhia das letras, 1992.
Freud, Sigmund. Obsessive Acts and Religious Practices, 1924.
Stag, Susan. Diante da Dor dos outros. Companhia das Letras, 2003.

Links:

Nenhum comentário:

Postar um comentário